Contos de Vigilus 05 – O Pistoleiro de Três Braços
Nesse último conto de Vigilus descobrimos um pouco mais sobre um herói cultuado neste mundo em pé de guerra, que parece ser uma luz de esperança para um povo vivendo em tempos de tirania…
O peito de Gedder Khole ardia e suas pernas ameaçavam ceder a qualquer momento, mas ele continuou a correr. Podia ouvir o trovejar de botas atrás dele, e as ordens gritadas pelos reforços dos Arbites. Só o medo o fazia continuar. Sabia o que fariam se o capturassem, se vissem o brilho da tinta fosforescente espalhada pelo seu casaco, manchando seus dedos.
“Alto, meliante!”, alguém rugiu. Houve um ruído ensurdecedor, e um buraco explodiu na parece, há poucos centímetros da cabeça de Gedder, cobrindo-o de estilhaços de rockcrete.
Adiante, o beco se estreitava até mais ou menos a largura de um homem. Mesmo sendo magricela, Gedder precisou se esgueirar através dos esqueletos carbonizados das galerias. Ele acreditava que a passagem levava a Glaive’s Row, e as feiras-livres logo em seguida, provavelmente vazias a esta hora, exceto por viciados e mendigos. Era sua única chance de escapar.
Ele só percebeu a armadura negra surgir à sua frente tarde demais. O impacto de um bastão pesado em seu peito lançou-o em uma meia cambalhota, e ele chocou seu pescoço no rockcrete, rolando pela rua e ferindo suas costas. Cada respiração cravava facas quentes em suas costelas. Ele ficou de quatro e vomitou sangue, a visão ficando turva.
“Viram ele voando?”, disse seu atacante, em uma voz bem-humorada. “O ratinho quase decolou.”
Um aperto esmagador se fechou nos ombros de Gedder e o arrastou desajeitadamente. Com os olhos ainda enevoados, ele encarou o visor negro que cobria toda a face do agente dos Arbites.
“Desfigurar o Arco da Penitência com símbolos heréticos?”, rosnou o homem, colocando Gedder de pé como se estivesse tirando um bebê de seu berço. “Execução pública. Você queimará por isso.”
“Se tiver sorte”, disse outra voz. Os dois agentes que perseguiram Gedder pelas ruas do subúrbio de Tartak surgiram do beco, ambos carregando grandes armas de contenção. “Existem destinos piores para lixo igual a ele”.
Gedder nunca se considerou corajoso, mas um estranho destemor surgiu em si. Ele deu um sorriso ensangüentado para seus captores.
“Vocês pensam que me assustam?”, disse. “Eu tenho pnemobrilho. Vinte anos nos esgotos e é tudo que eu posso mostrar – um corpo se despedaçando, e ossos que doem tanto que eu não posso dormir, comer ou fazer qualquer coisa sem cuspir sangue.”
Um punho blindado se chocou com sua mandíbula, lançando-o ao chão novamente. Gedder sentiu pedaços de dente escaparem pela boca.
“Cala a boca”, disse o agente Arbites. “Você vai falar mais tarde. Quando te prenderem na cadeira elétrica você não vai conseguir parar. Sabemos que você não é o único pintando pelas ruas a imagem do mutante de três braços.”
“O Herói de Hyghn”, retrucou Gedder, cambaleando enquanto se erguia sobre os joelhos. Cada palavra engasgada espalhava dor através de seu corpo debilitado. “Aquele que meteu uma bala entre os olhos do Arbitrator Drau, como ele merecia. Ele luta por nós. Não pelos padres, não pelos nobres, seguros nas torres. Pelo povo.”
“Grak”, xingou um dos Arbites, gesticulando com sua arma em direção à parede do Grande Armazém, que se erguia sobre os telhados inclinados dos condomínios à sua esquerda.
Nas partes mais altas do prédio, rabiscada em tinta fosforescente verde, jazia a imagem de uma figura encapuzada, com três braços, cada um deles segurando uma grande pistola.
“Você pode me matar, mas não pode deter a faísca”, disse Gedder. “A combustão é-“
Um chute na barriga o silenciou. Enquanto se retorcia de dor, ele sentiu o cano da espingarda encostar atrás de sua cabeça.
“Nós vamos encontrar essa escória mutante”, esbravejou o agente que o golpeou. “Mesmo que tenhamos de queimar completamente esse buraco, e arrastar todos os favelados para interrogatório. Nós vamos encontrá-lo.”
“Você já encontrou.”
A voz era extremamente calma. Gedder ergueu os olhos, e através das manchas de sangue ele viu uma figura de pé sobre uma caçamba sobrecarregada, observando-os com olhos completamente negros. A capa do homem tremulava ao vento, mas ele permanecia imóvel como uma estátua, sua face coberta com um lenço sobre sua boca. Gedder viu apenas o brilho prateado de um cano de revólver na cintura do homem.
Os agentes hesitaram. Tudo estava calmo. Houve um rangido de couro quando o maior deles tremeu e abriu um punho musculoso. O brilho da tinta luminosa se refletia nos olhos tranqüilos do pistoleiro.
Sem aviso, a mágica se desfizera. As espingardas dos agentes surgiram de forma treinada, mas o encapuzado já tinha esvaziado seu coldre. Uma explosão ecoou pelas ruas, e um dos agentes foi jogado na parede, o sangue jorrando por seu peito rompido. Girando em uma velocidade impossível, o pistoleiro sacou um segundo revólver, e tiros soaram tão rápido que por um instante Gedder pensou que uma metralhadora estava sendo disparada. Os corpos dos outros dois agentes simplesmente se desfizeram, suas armaduras despedaçadas. Sangue se espalhou pelo rosto de Gedder, e um corpo caiu sobre ele, imobilizando-o.
Um motor roncou. Atraído pelos disparos, uma moto de combate surgiu na rua, vindo de um beco adjacente, o agente sobre ela apontando um bolter, disparado contra a figura encapuzada.
O pistoleiro puxou a capa para o lado, revelando um terceiro braço que segurava mais um revólver pesado. Outro tiro ressou, e o tanque de combustível da moto explodiu em uma grande bola de fogo, arremessando o veículo e seu infeliz piloto. O pistoleiro deu um passo para o lado quando pedaços flamejantes voaram em sua direção, acendendo uma chuva de faíscas quando se arrastaram pela rua.
A luta inteira não durou mais do que alguns segundos, e quatro veteranos do Adeptus Arbites estavam mortos. Nenhum deles deu um tiro sequer.
“P… pelo Imperador”, gaguejou Gedder.
O pistoleiro girou os três revólveres, devolvendo-os aos seus coldres, um a um. Então se virou, movendo-se calmamente, enquanto a carcaça flamejante da moto rangia e lançava fagulhas. Ele se aproximou de Gedder, ainda se debatendo sob o cadáver do agente. Com grande facilidade, o homem encapuzado moveu o corpo.
“Seu Imperador é uma mentira”, disse o homem, diante de Gedder, obscurecido pelo céu noturno. “Mas eu posso mostrá-lo a verdade, meu velho”.
Ele estendeu a mão. Seus dedos eram longos e finos, quase como patas de aranha. Gedder se esticou e os segurou, cerrando os dentes enquanto se levantava.
O pistoleiro guiou-lhe pelas sombras de um beco próximo, onde uma torrente de água turva escoava por um bueiro enferrujado.
“Eu sempre acreditei nas histórias”, ele disse, ouvindo o tremor em suas palavras. “Eu sempre acreditei que você era real. Que nos guiaria em uma grande revolta e nos salvaria da tirania”.
“Eu não sou um salvador”, disse o pistoleiro, se abaixando e abrindo o bueiro. Baratas sibilaram e fugiram pela abertura. “Sou apenas um mensageiro, trazendo a mensagem dos deuses astronautas para aqueles que precisam ouvir”. Ele saiu da frente, e apontou para o duto.
Gedder franziu as sobrancelhas, confuso, mas se agachou e encarou a escuridão. Timidamente, ele adentrou a abertura. Ouviu o movimento de pernas e uma série de olhos incandescentes o encarou de volta. Ele notou uma obscena forma alienígena, de quitina contorcida e derramando vertentes de saliva.
“O que é isso?”, perguntou, tomado por um sentimento primitivo de medo.
Ele se virou, desesperado para sair daquele lugar terrível, mas o bueiro se fechou na sua frente. O rosto do pistoleiro apareceu, iluminado por uma réstia do luar. Ele não parecia mais um salvador. Sue pele era cerosa e pálida, e uma ponta óssea se projetava sob seu rosto. Seus olhos negros não mais refletiam a luz da revolução. Agora só mostravam uma indiferença fria.
“Me deixa sair!”, berrou Gedder, sua voz amplificada pelo pânico. “Tem alguma coisa… se mexendo ali!”
O pistoleiro não respondeu. Algo se fechou em volta do tornozelo de Gedder e puxou-o com grande força. A última coisa que viu antes de desaparecer na escuridão foi seu rosto aterrorizado refletido naqueles olhos impiedosos.
Traduzido por Wilton Barbosa