O Despertar Psíquico: O Caminho
O Despertar Psíquico começa, e com ele, a galáxia não será mais a mesma. Começando com o surgimento dos Ynnari, que afetará todos os Aeldari dos mundos-colônia, como veremos neste conto de Melissa Roddis.
Arbane parou seus afazeres, suspendendo a pena sobre o pergaminho. Além do domo, o silêncio; em seu interior, a Profetisa continuou seu monólogo apaixonado, enquanto os demais reunidos observavam, com diferentes graus de paciência.
“Tal curso de ação não pode ser considerado. Há muita coisa em risco para abraçarmos levianamente o culto da morte. Vocês testemunharam os perigos deste caminho na destruição de Biel-Tan”, ela disse, gravemente.
Ciente de que estava ficando para trás, Arbane desenhou rapidamente as palavras no papel, acrescentando arabescos que denotavam sua atenção aos detalhes. Em sua carreira como runartista, registrara as palavras de inúmeros líderes e pensadores que discursaram em assembleias como a que ocorria. No entanto, jamais dera tanta atenção às suas próprias palavras; acreditava que a história estava sendo feita, sendo ela uma das escolhidas para escrevê-la.
A despeito da importância de seu trabalho, estava distraída; sua mente imaginava o que poderia haver além dos limites do domo cristalino. Tal sensação a preocupava profundamente, uma vez que através de pensamentos e desejos indisciplinados alguém poderia ceder à loucura e à depravação. Jamais fora tentada a desviar de seu caminho, e pensar em tal possibilidade fez com que rabiscasse as palavras no pergaminho com ainda mais determinação.
Enquanto escrevia, um vento frio adentrou a câmara, e através dos muros cristalinos, ela viu o céu escurecer. Arbane arrepiou-se como se uma mão gélida a tivesse tocado; algo estava por vir.
Embora resistisse, sentia-se compelida a sair dali. Era como se outra mente a estivesse guiando, como se os pensamentos alheios previssem suas ações. A profetisa continuava falando, mas os demais reunidos tinham notado a mudança e sussurravam entre si. Arbane deixou a pena cair de sua mão; a runa que ela desenhava jamais seria completada.
Lá fora, os guinchos das Uivantes rasgavam o ar, imediatamente acompanhados pelo ruído inconfundível de espadas se chocando, e de mortes dolorosas. Urros e gritos atrapalhavam a fala da Profetisa; gritos de guerra daqueles que apreciavam tormento e destruição anunciavam a chegada de algo terrível.
Antes que percebesse o que estava fazendo, Arbane ergueu-se de onde estava, e deu um passo em direção à entrada. Outros também tinham se movido, e dentre eles, Guerreiros dos Aspectos, que pegaram em armas para mergulhar na contenda.
“Fique aqui, Arbane”, disse outro runartista, segurando seu braço. “Esse não é o seu caminho”.
“Eu tenho de ir”, ela disse, distraidamente. Não conseguia explicar que estava sendo impelida por uma força maior do que si; escapou de seu companheiro e saiu para a escuridão.
Uma confusão de eventos ocorriam diante dela, uma cacofonia de cores, sons, e cheiros. Guerreiros dos Aspectos em seus trajes brilhantes se batiam contra bestas púrpuras, silhuetas de jetbikes cortavam o ar com suas longas garras, e criaturas de pele oleosa atravessavam os combates, espalhando um odor acre por todo o lugar.
Os combatentes eram nebulosos; Arbane só podia perceber algumas cores e formas. Era como se um véu se estendesse entre ela e o campo de batalha, impedindo-a de ver claramente. Ela olhou para trás e o domo também oscilava entre a existência e a não-existência. Percebeu que estava na encruzilhada entre dois futuros divergentes, e que poderia retornar para o mundo que conhecia, ou avançar para um completamente distinto. Os dois caminhos eram incertos, mas ela foi atraída para a batalha que se revelava diante de si. Mais uma vez sentiu que a história estava sendo escrita, mas com espadas ao invés de penas, e sangue ao invés de tinta.
Enquanto se esforçava para discernir os detalhes da cena à sua frente, vislumbrou lampejos de cor: o vermelho, preto e púrpura dos Ynnari; as faixas escarlates usadas em honra do deus da morte; o símbolo flamejante da fênix nos estandartes, e o rosa e lilás dos Demônios de Slaanesh – os maliciosos hedonistas d’Aquela Que Deseja.
Os Aeldari formaram um perímetro para deter as forças do Caos, mas a linha estava se rompendo, enfraquecida pelos demônios, que na ânsia pelo combate ignoravam os próprios ferimentos. Um grupo de bestas cobertas por faixas de couro escuro se lançava incansavelmente sobre os defensores, com suas pinças erguidas e gritos profanos em seus lábios negros.
Assim como antes, Arbane percebeu uma encruzilhada no tempo, um momento no qual o destino oscilava entre esperança e desolação. Sentiu novamente a influência de outra mente atuando através da sua, guiando suas ações. Olhou em volta e viu uma adaga no chão, abandonada pelo Patrulheiro abatido adiante. Ela a empunhou, sentindo o peso da arma; única coisa factível naquele reino de incertezas. Olhou pela última vez para o domo à sua retaguarda, e avançou pelo tumulto.
Lâminas cortavam o ar, e rajadas laser cauterizavam o espaço a esmo. Podia sentir a carne queimada, o cheiro ferroso de sangue, e o perfume inebriante dos demônios. Ali se encontrava a loucura que ela temia dominá-la se abandonasse seu caminho, mas ela sabia que seu destino não era esse. Era guiada por um novo tipo de clareza, enquanto saltava sobre as criaturas de pele lilás que atacavam a vanguarda Ynnari, cortando e perfurando aquelas formas esguias com sua adaga. Não pensava em mais nada além de proteger o seu povo, o futuro de sua raça. Quando o demônio caiu sob seus golpes furiosos, moveu sua garra de ébano e cortou o pescoço da profetisa com um único movimento; o golpe fora tão preciso que Arbane mal o sentiu, e enquanto sua visão escurecia, ela viu, com satisfação, a criatura morta ao seu lado.
A morte a reivindicara, e ela a aceitou de bom grado, se juntando a tantos outros. Podia ouvir seus pensamentos agora, e compreendê-los; seu caminho sempre fora aquele.
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Yvraine abriu seus olhos, o sonho ainda vívido em sua mente. Era um dos muitos que tivera ultimamente, e ela sabia que não seria o último. Por toda a galáxia o destino da raça Aeldari era decidida por seus membros, por aqueles que trilhavam os velhos caminhos, e por aqueles que eram guiados a se juntar à sua causa. O destino ainda estava em jogo, e podia ser alterado pela mais ínfima das ações. Apenas uma coisa era certa.
A morte viria para todos.