O Despertar Psíquico: O fim dos opressores
As duas facções estão prontas para morrer em nome de uma causa. E Colin Cubbon os colocou um contra o outro, nessa nova fase do Despertar Psíquico. Descubra quem são.
Thorvek usou todo seu peso contra o bruxo caído no chão sujo do beco. Prendeu os braços do psyker sob seus joelhos e cobriu a boca do homem, para que não lançasse mais maldições. Nervoso, à entrada do beco, Hollun observava. Thorvek sussurrou uma prece rápida, mas sincera, antes de passar uma adaga abençoada pelo pescoço do homem. O corte foi limpo e bem executado, e o sangue jorrou de imediato. Correu por todo o beco até se acumular em um ralo entupido de lixo que zumbia, repleto de criptídeos.
As convulsões do bruxo terminaram com um último jorro de sangue espumoso que cobriu o avental de Thorvek. Ele xingou silenciosamente – uma evidência! Apesar de ter se preparado para o problema, era algo que podia ter evitado. Se o mascote do Império sob ele estava morto, era porque não era tão forte assim, então ele poderia facilmente cobrir-lhe o pescoço, como planejara. Greta cuidaria disso; era habilidosa em remover pigmentos e manchas incriminadoras de qualquer tecido. Tão boa que os líderes das outras células – mesmo as de fora de Grezum – imploravam-na para que os treinassem em segredo.
Grezum, sua cidade natal. Não por muito tempo, pensou, não quando a salvação era iminente. Uma vida melhor não apenas para Thorvek, mas para todos os fiéis do Culto da Harmonia Mental, para a carinhosa Gerta e o pequeno anjo que crescia rapidamente em seu ventre.
Na entrada do beco, Hollun continuava inquieto. O vigia parecia estar sempre nervoso, ao menos longe do pastor. No entanto, seus olhos e ouvidos eram os melhores entre eles. Trabalhar nos ferro-velhos nos arredores da cidade significava visão e audição apuradas, considerando toda sorte de predadores que espreitavam a região.”Terminou?”, surrurrou para Thorvek, ansioso para sair daquele lugar claustrofóbico.O outro sinalizou para que esperasse. Posicionou a ponta de sua adaga sobre a testa de sua vítima, ainda quente e suada – e tirou um lenço imundo do sobretudo. Consultou o desenho feito em carvão no pedaço de pano, e tentou entalhar um idêntico na cabeça do bruxo. Fez questão de fazer cortes imprecisos, pressionando com força o crânio da vítima, conforme instruíra o pastor.
Em pouco tempo, a testa lisa do psyker ostentava o desenho ensanguentado de um olho, em contrapartida ao occulus que o governador de Grezum mandara desenhar nas costas dos psykers capturados e enviados para os Campos Negros. O símbolo violentamente gravado, e as gargantas cortadas indicariam justiçamentos contra aqueles tocados pela feitiçaria.
Olhando sua obra, Thorvek instintivamente esfregou a própria testa, massageando suas discretas protuberâncias ósseas. As cristas sagradas eram presentes da chegada da emissária dos Filhos das Estrelas, Serene Paternosa. Thorvek estava feliz, apesar das dores; estava cumprindo os pedidos do homem de voz adocicada. As outras células davam nomes estranhos para aquele homem: Cognosc, Viapater, ou pastor, como dizia Hollun, mas Thorvek foi orientado a chamá-lo de Magus.
O Magus – sempre envolvido em negócios por toda a cidade – explicara a Thorvek e Hollum que os caçadores de bruxas do governo estavam utilizando uma nova e estranha tecnologia. O governador informou ao conselho sobre um acordo feito com os Adeptus Mechanicus, mas os equipamentos não pareciam obra dos Tecnopadres – tinham formas arredondadas, diferente de tudo que o culto vira. Os caçadores de psykers estavam patrulhando áreas perigosas da cidade, às vezes com apoio dos cidadãos enfurecidos; Thorvek quase os apoiava, pois também odiava feiticeiros.
Muitos irmãos e irmãs do Mindchord abandonaram suas células para se unir a tais caçadas, ajudando os locais a desentocar os corruptos. “Imagine o que esta turba irracional faria ao testemunhar os milagres operados pela Harmonia Mental?”, questionou o Magus. “E quanto aos caçadores, ferramentas de opressão, saberiam a diferença? Tudo que Serene Paternosa fizera para salvá-los teria sido em vão; os Filhos das Estrelas podem até passar ao largo deste planeta”, disse tristemente o Magus; Thorvek se apressou em fazer algo a respeito.
A lembrança do breve encontro com o Magus reconfortou Thorvek; embora esteja sob os auspícios daquele homem desde a infância, poucas foram as vezes em que vislumbrou a luz do culto pessoalmente. Tais lembranças ocorriam-lhe sempre que realizava tarefas importantes para o culto: roubar uniformes, monitorar itinerários dos sentinelas, encontrar novos santuários – todas cumpridas com o sentimento de que os olhos do Magus estavam sobre si. Brincava consigo mesmo dizendo que o homem o observava através dos olhos dos servos. Considerando os milagres que operava, quem era Thorvek para dizer que não era o caso?
Psykers, pensou Thorvek, irritado. Os tiranos de Grezum compravam a obediência de seus cidadãos caçando bruxas, enquanto paparicavam seus próprios feiticeiros. Diversas purificações ocorriam ultimamente, e com o aumento das buscas feitas pelos opressores e sua nova tecnologia, aumentava o risco de descoberta das células da Harmonia Mental. O fato do Magus ter dotado tantos membros com seus poderes milagrosos era auspicioso. Preparavam-se, geração após geração, para este momento crítico.
“Vamos”, chamou Hollun. O olheiro correu em direção a Thorvek, e juntos, desapareceram na escuridão das vielas. Thorvek gostava daquele sujeito desconfiado, abençoado com uma mecha de cabelos violeta, que mantinha escondido.
“Odeio esse lugar”, resmungou Hollun. “Porque temos de jogar o corpo do bruxo tão longe? Aqui é o território do Rei Jarran, mesmo catadores como eu sabem disso! Aquele traficante já matou até milicianos. Não pensaria duas vezes se nos pegasse aqui”.
“Esse é o ponto. Você confia no Magus – no pastor – certo?”
“Claro! Você sabe que sim!”, respondeu Hollum, um tanto alarmado.
“Pense nisso. O culto descobre que tem bruxas imperiais se aproximando do território do pastor. Os espiões são achados aqui, ‘assassinados por traficantes’. Isso vai chamar atenção dos caçadores de bruxas para o Jarran”.
“Mas o Rei Jarran não é nenhum bandidinho que o governador pode passar por cima. Se os caçadores de bruxas vierem aqui, vai haver uma guerra”.
“Exatamente”, sorriu Thorvek, e deu um tapa nas costas do companheiro quando este entendeu. “Finalmente está acontecendo, Hol. Os opressores serão exterminados!””Patermine!”, suspirou Hollun, mostrando seus dentes amarelados em um sorriso.+++Menos de uma semana depois, Thorvek testemunhou, maravilhado, sua cidade em chamas. Os agentes de Serene Paternosa atuaram por todo o território, rompendo a antiga trégua entre o governador e a organização criminosa do Rei Jarran, e uma guerra eclodiu. A cidade não caiu sozinha. Do alto de um factorum abandonado, ele viu pelo menos três cidades satélites incendiadas. Como queria que seu avô pudesse observar aquela cena com seus olhos mutantes. Sob Thorvek, centelhas violetas indicavam que a Ascensão finalmente chegara.
A desova perfeitamente executada do investigador imperial rendeu-lhe destaque no culto; portanto, ele lideraria o primeiro ataque franco contra seus opressores.Thorvek desceu pelos andares do factorum, e como sombras, os guerreiros de sua célula se uniam à sua marcha. No final, quase trinta irmãos e irmãs do Culto se reuniam à sua volta. A chuva os alcançou ao anoitecer, cobrindo os macacões encardidos que escondiam coletes balísticos roubados.
Rifles de ferrolho, armas automáticas e até antigos arcabuzes de caça faziam parte do arsenal, completamente diferentes dos rifles de plasma padrão-Grezum que apareciam nas propagandas governamentais, empunhados por guardas ricamente uniformizados. Vídeos roubados da sala do governador também mostravam-no bajulando os mais ricos com promessas de patrocínio. Falava de armas melhores para as milícias, investimentos interplanetários e unidade global.
O alvo de Thorvek era um um posto de defesa externo da milícia. Sua pouca importância tornava-o um alvo ideal; não tinham ninguém infiltrado lá – governos nepotistas são difíceis de ser infiltrados – mas sempre haveriam maneiras de superar os obstáculos, dizia o Magus. Agachado sob o portão de entrada, Thorvek sinalizou para os outros.
A irmã Regenn, cuja pele púrpura estava escondida sob um elmo da milícia, inseriu o cartão de identificação no leitor metálico. Com os dedos protegidos, digitou o código cuja obtenção custara-lhe a vida de um colega. Bloqueando casualmente os mecanismos da tranca enquanto passava, encostou o portão blindado atrás de si e caminhou até a porta do posto de defesa. Olhava diretamente para as câmeras de segurança sobre a porta; suas vigias ensinaram-lhe que as imagens eram monitoradas, e alguém lá dentro entraria em contato por uma frequência de vox exclusiva deste posto.
Ela deu algumas batidas ao lado do seu elmo, fingindo com maestria ter um defeito em seu comunicador. Após alguns instantes, a porta se abriu.
Thorvek viu tudo em câmera lenta.
Dois milicianos vieram ao encontro de Regenn, cansados e nervosos. A guerra civil não tinha alcançado a região, mas estavam continuamente de serviço, sem rendição. O guarda mais alto gritou uma ou duas coisas antes da moça sacar a pistola, e disparar contra seu rosto, deixando para trás um capacete destruído e uma torrente de sangue, massa cinzenta e ossos espatifados.
O outro guarda não fugiu, para a surpresa de Thorvek, mas a mulher já estava condenada desde o início. Quando os homens adentraram o portão, cujas trancas tinham sido bloqueadas por Regenn, o guarda atirou na cultista com o estranho modelo de pistola de plasma, sendo despedaçado em seguida pelos revolucionários da Harmonia Mental.
Outro membro tomou o cartão de identificação das mãos de Regenn sem nem olhar para a companheira; ela era uma mártir, e reincarnaria assim que os Filhos das Estrelas chegassem. Seu sacrifício permitiria-lhes cortar as comunicações do posto com a capital, atraindo reforços para aquela região erma, e deixar a cidade à mercê do resto do culto, que aguardava nos esgotos.
O cartão abriu mais uma das salas, e o grupo disparou suas armas em seu interior. Dois cultistas foram atingidos por rajadas azuis de plasma, e seus corpos carbonizados foram imediatamente pisoteados pelos demais, com seus gritos e rosnados.
Em meio às salas de comando, sinalizadores, arsenais e alojamentos, o conflito não correra conforme o previsto por Thorvek. A vintena de guardas insones, que facilmente cederia ao assalto, buscou abrigo e deu cobertura aos seus aliados de uma forma que o líder cultista jamais vira. Muitos cultistas caíram, suas cabeças e troncos ainda ardendo pelas rajadas de plasma. No entanto, a coesão dos guardas não os salvou da determinação dos revolucionários, e logo os incansáveis tiros das armas automáticas, e os ataques selvagens das facas e das garras chegou a um termo.
Menos de dez guerreiros sobreviveram, e não eram capazes de comemorar o triunfo sobre os agentes do opressor. A mente de Thorvek só conseguia pensar em tudo que dera errada ali. Os guardas usavam as estranhas armas que até então só eram utilizadas pela guarda pessoal do governador. Aquele era uma defesa externa, guardada por vagabundos, mas ainda assim lutaram com uma impressionante coesão. Seriam os próprios pretores do governador? O Culto subestimara seus opressores?
Um folheto encardido caíra do bolso de um dos guardas mortos, que ainda derramava sangue pelo pescoço. Thorvek folheou as páginas amareladas a esmo, tentando ordenar o pensamento.
Há uma unidade a qual todos pertencemos, um propósito. Um Bem Maior, ele leu. Na mente de Thorvek, os olhos negros do Magus se abriram.
meu estou gostando bastante dos seus textos.
Olá Kalon, seja bem vindo.
Que bom que você está gostando 🙂