O Despertar Psíquico: O Gume da Rivalidade
Elliot Hamer nos mostra que os Grey Knights não é o único Capítulo dedicado a por um fim às maquinações dos Thousand Sons. Mestre Lazarus, primeiro dos Dark Angels a submeter-se à transição primaris está pronto para agir.
O comboio de Land Raiders fez uma parada, e a neve começou a cair sobre os blindados. O verde escuro da fuselagem seria uma visão inspiradora para as forças da Astra Militarum adiante, mas a brutalidade da guerra no gelo de Rimenok usurpou o júbilo de sua chegada. Os motores desligaram, e quando a rampa do primeiro veículo baixou, as luzes de seu interior afastaram a penumbra do local. Lazarus saiu dele, assim como seus companheiros Angels of Death.
Os Guardas Imperiais estavam desmotivados, e o branco de seus olhos revelava um regimento prestes a se entregar. Buscavam os poucos abrigos que encontravam nas ruínas bombardeadas e se amontoavam em volta dos flamers na vã tentativa de escapar ao frio cortante e aos ocasionais bombardeios psíquicos.
“Coronel Barcus, 31º Regimento de Guerreiros do Gelo de Rimenok”, saudou desajeitado o oficial da Astra Militarum. “O prisma resiste. Lançamos cerca de oitenta porcento de nossas cargas de artilharia nele, e ainda dois Marauders. Ele engoliu nossas ogivas todas as vezes, e continuou emitindo luzes. Estamos ficando sem opções, senhor, e esses malditos bombardeios psíquicos estão acabando com nosso juízo.”
Lazarus se virou para o prisma. Do outro lado da planície, um prisma imaterial se erguia bem no meio das linhas inimigas, tão grande quanto um Titã classe Warlord, as cores fluindo por toda a superfície em padrões tão fascinantes quanto doentios. Em seu cume, uma esfera pequena e igualmente cintilante girava, suspensa. Conforme Lazarus a analisava, suas revoluções aumentavam, e as cores oscilantes traziam-lhe confusão. Houve uma comoção próxima, conforme os Guerreiros do Gelo corriam em busca de abrigo.
“Fechem os olhos!”
A esfera decolou, projetando-se em alta velocidade e encontrando seu alvo há cinquenta metros da posição de Lazarus. Uma explosão caleidoscópica espalhou ondas luminosas de energia etérea em todas as direções. Aqueles na zona de impacto caíram agonizantes, ao passo que aqueles que não desviaram o olhar, ou tiveram sua visão protegida pelo elmo da power armor, foram igualmente afetados. Guardas se contorciam no chão, suas cabeças prestes a explodir com a sobrecarga em seus sentidos. Seus olhos desesperados aumentavam de tamanho até que se rompiam e espalhavam seu conteúdo pelo chão. Um fluido viscoso escorria por suas orelhas, narizes e órbitas dos olhos, uma mistura de sangue e massa cerebral, acompanhada por gritos de terror. Os Comissários apenas sacaram suas pistolas, não pela primeira vez naquele dia, e caminharam pelo local , distribuindo a Paz do Imperador.
O Bibliotecário Ithurial franziu o cenho, preocupado. “O que foi, irmão?”, perguntou Lazarus, virando-se para ele.
“Isso é diferente de tudo que já vi”, respondeu o psyker. “O prisma deve ser destruído, mas se é imune ao fogo das armas…”, o Bibliotecário então se perdeu em seus pensamentos. Lazarus deu-lhe tempo; em sua experiência, a estratégia ideal precisa de tempo para ser elaborada.
“Sua aparência é muito incomum para ser fruto de um ritual ou incursão no imatério”, prosseguiu Ithurial. “Eu sentiria se fosse o caso. Deve haver uma causa mais específica… Um artefato, ou um psyker poderoso.”
A mente de Lazarus processou uma série de detalhes e possibilidades. Enquanto pensava em seu plano, o prisma continuou a oscilar. Outra esfera surgiu em seu pináculo, mais lenta que a anterior, mas crescendo lentamente a cada rotação.
“Se for um artefato, você pode contê-lo?”, perguntou a Ithurial.
“Sim. É poderoso; não posso desativá-lo completamente, mas posso enfraquecer seus efeitos o bastante para que o resto do Librarius possa agir”.
“Excelente”, respondeu Lazarus. “Porque se for um psyker, eu posso matá-lo”.
Lazarus abriu um canal de vox. “Todas as forças, aqui é o Mestre Lazarus. Preparem-se para um assalto em ponta de lança. Quero todas as armas cobrindo nosso avanço. O mal se abrigou em Rimenok, e vamos eliminá-lo”.
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Na vanguarda da ponta de lança, o Avanço Ardente, Land Raider de Lazarus, abriu caminho através da planície nevada, esmagando rochas e montes de neve em sua ofensiva implacável. Impactos ressoaram em sua blindagem, e centenas de disparos foram feitos em resposta, quando os bolters hurricane e canhões de assalto arrasaram mutantes, Bestiais e cultistas. Atrás dele, esquadrões de Predators, pelotões de Devastadores e os tanques do 19º de Rimenok bombardeavam o inimigo.
Hordas de máquinas demoníacas vomitavam rajadas de ectoplasma, que combinadas ás salvas dos canhões hades detinham o avanço dos transportes Dark Angels. Os sobreviventes saíam das carcaças dos veículos apenas para serem eliminadas pelo fogo dos hereges.
O sangue dos mártires é a semente do Imperium, pensou Lazarus.
“Trinta segundos”.
Seu pelotão de comando sacou as armas, enquanto Ithurial concentrou-se na batalha psíquica vindoura. Não faziam ideia do resultado de um assalto ao prisma, mas hesitar não era de seu feito. Seguiriam Lazarus aos confins do próprio Desfiladeiro sem proferir palavra, e arrasariam o lugar com bolter, espada e fúria.
“Vinte segundos”.
Um grande projétil penetrou a blindagem; a plataforma do hurricane se rompeu e metade de suas munições detonaram. Quatro guerreiros morreram na explosão.
“Dez segundos”.
Outro disparo os atingiu, uma rajada de lascannon que atravessou a frente do blindado. O piloto estava coberto de sangue, mas agarrou-se à vida para cumprir seu dever. Acionou o mecanismo para liberar a rampa do Crusader, e avançou diretamente para o prisma.
“Desembarcar”.
Lazarus desceu pela rampa e adentrou a loucura.
Avançando pela barreira prismática, teve a carga detida por uma poderosa força atuando em sua psique. Seus sentidos o abandonaram; os estímulos existiam, mas sua mente era incapaz de processá-los. Cada passo, cada respiração, um esforço hercúleo. Mas estava consciente, e ainda que impotente, forçou seu corpo a reagir.
Investigou os arredores. No centro do prisma, um Feiticeiro dos Thousand Sons, de braços erguidos, e ondas multicoloridas fluindo através de seu corpo. Ithurial estava certo.
“Sou um instrumento de vingança do Imperador”, rugiu Lazarus, forçando seu avanço atrávés das selvagens forças psíquicas, cada passo mais difícil que o anterior. As sinapses em seu cérebro colapsando, e seu corpo se recusava a responder ao seu comando. Além dele, todos os que sobreviveram ao avanço mecanizado foram afetados; muitos caíram, e seus corpos mortalmente imóveis se acumulavam no chão gélido. O Irmão Ithurial estava de joelhos, tamanha era a tensão da batalha mental que explodia em um plano paralelo.
Lazarus ergueu a pistola bolter. “Sou Sua fúria manifesta”. Descarregou a arma no inimigo, mas a tensão do ato desviou a maioria dos tiros; aqueles que atingiram seu alvo se chocaram, inofensivos, contra a ceramite. O que antes era natural revelou-se inútil.
O Feiticeiro se voltou para Lazarus, e um olhar de desdém foi sua única reação antes que sua atenção retornasse para o prisma e a continuidade do ritual.
Lazarus caiu sobre um joelho, sua força vital cedendo sob o massacre psíquico. Gritou com todas as forças, ordenando mente e corpo a responder com os últimos resquícios de resistência que ardiam dentro de si.
Poucos metros dali, Ithurial estava cedendo ao grande psyker. Lazarus sentiu seu irmão acessara sua mente e ali depositava suas últimas forças. A resistência que motivava Lazarus foi instigada, uma furiosa centelha que jamais se apagaria, e as chamas da justa repugnância foram alimentadas. O dever de Ithurial chegar ao termo, mas o de Lazarus se renovara.
“Através de meus atos, Sua Vontade será feita”, prometeu Lazarus, erguendo corpo e espada contra a torrente psíquica. Toda a resolução restante foi reunida enquanto girava a lâmina sobre sua cabeça; ela fluiu com o gume energizado pela fúria de Lazarus, e atingiu seu inimigo.
A espada cortou a ceramite e penetrou até a guarda no peito do Feiticeiro, que caiu de joelhos, e o prisma se contorceu quando seus braços foram abaixados. A cabeça do filho de Magnus cambaleou enquanto o sangue quente se espalhou pelo gelo, e o vapor se ergueu em volta daquela forma moribunda.
O prisma explodiu, lançando descargas multicoloridas pelo campo de batalha, refletidas pelo gelo branco. Centenas de guerreiros caíram, agonizando. Lazarus foi jogado pela explosão, e tudo escureceu.
Lazarus retornou das memórias. Ele a revisitava frequentemente, porque teimava em aceitar o desastre em Rimenok. Seu ataque teria sido uma intervenção pontual, ou foi responsável pela morte de centenas? Era uma parte de seu passado que queimava tão intensamente quanto a Fornalha Belisariana. As duas chamas o definiam desde então – aquela que o salvou, e aquela que acendera seu ódio pela feitiçaria.
Os ferimentos provocados pela explosão eram tão graves que não havia mais esperança. Nem mesmo ser encerrado no sarcófago de um Encouraçado seria o suficiente para salvar sua vida. O Boticário da Quinta Companhia no entanto, tinha outros planos. Propôs que, a fim de salvar o Mestre Lazarus, o Mestre de Companhia deveria cruzar o Rubicão Primaris.
Todos sabiam que atravessar o Rubicão era uma tarefa perigosa, na qual a morte era uma consequência trivial. Considerando que os ferimentos de Lazarus não tinham precedentes, suas chances de sobrevida eram nulas. Todavia, a proposta do Boticário não foi negada; argumentara que a teimosia de Lazarus o manteria vivo.
Conduzindo o procedimento, o Boticário guiou o Mestre de Companhia através do Rubicão em sua nova forma. Uma vez acendida, a Fornalha Belisariana manteria Lazarus vivo através dos longos tratamentos que seu corpo passaria até ser completado.
Ele se reergura como um Primaris Space Marine. Um passo significativo para os Dark Angels, pois nenhum deles poderia dizer que “As cores não fazem um Dark Angels” de dotos os seus irmãos Primaris. Embora seu corpo fosse novo, ele ainda era o Lazarus que se destacara entre os seus com firmeza de espírito e inabalável devoção pelo Capítulo.
Ele levantou a cabeça e observou os reunidos. Seus irmãos fiéis, ocultos sob robes cerimoniais, posicionados para completar o Círculo Interno. Entre eles, inúmeras velas, cuja luz tremulante iluminava as construções danificadas, buracos de projétil e marcas de queimaduras nas estruturas góticas do sanctum. O cerco de Marbas sofrido pela Rocha era outra memória amarga, que agora todos os Dark Angels carregavam consigo.
“Meus irmãos”, iniciou o Mestre Supremo Azrael, “presságios terríveis nos foram trazidos pelos filhos de Titã. Visões do renascimento de um rei alado de um mundo destruído. O Rei Escarlate e suas legiões de feiticeiros estão se reunindo. Pouco sabemos porque, ou o qual seu objetivo, mas os Grey Knights solicitam nossa ajuda, e nós atenderemos seu chamado”.
“O Mestre Lazarus liderará o assalto. O Mestre-Cavaleiro Inias e o Mestre-Caçador Estrael o acompanhará com a Primeira e Segunda Companhia. Vocês começarão a campanha com pouca informação, então confiem em seus instintos e tenha cautela em relação ao resto. Preciso lembrá-los da última vez que confrontamos hereges e feiticeiros nesta escala?”
Dadas as ordens, Azrael deu um passo a frente.
“Estou em dívida com todos vós pela confiança que me depositaram, visto que muitos aqui guardam consigo uma objeção silenciosa. Visões crípticas e uma ameaça não identificada. Por que empregar vossas forças cegamente, e lutar ombro a ombro com aliados capazes de descobrir nossos segredos mais sombrios? Eu vos respondo. Olhem em volta, vejam o que nosso grande Capítulo se tornou. Mais de um irmão está faltando neste círculo, morto em Stygius, ou perdido no Desfiladeiro, e honrar tais memórias é tudo que nos resta. A própria Rocha está gravemente ferida, nosso santuário está em ruínas e nossos salões, profanados. Estamos sangrando lentamente, lutando uma guerra reacionária contra um inimigo que sempre muda.”
O Grão-Mestre se voltou para uma arcada, cujas velas em sua base desenhavam grandes sombras no recinto. Inspecionou a estrutura danificada, pesando cuidadosamente suas próximas palavras.
“Nossos santuários mais profundos foram invadidos, e nossos segredos, usurpados. Aquilo que guardamos por milhares de anos está lá fora, arrancados destes salões pelo Grande Inimigo. As verdades aprendidas por tais vilanias estão sendo adicionadas a uma tapeçaria de mentiras infames.Os filhos de Titã inclusive já podem ter descoberto verdades de nossa história sombria.
Olhares perturbados encararam Azrael. Todos eram membros do Círculo Interno, mas as palavras do Grão-Mestre eram graves. Azrael se virou para os demais, com toda sua intensidade.
“Enquanto amigos e inimigos nos cercam, observamos companheiros Dark Angels com desconfiança. Alquebrados, rejeitamos aqueles que juraram por nosso Capítulo, alguns deles verdadeiros filhos de Caliban! Mesmo nesta reunião, um de nossos Mestres, cujos feitos conquistaram sua posição neste círculo, se ergue como um Primaris, e ainda assim o tratamos com desconfiança.”
Olhares se voltaram para Lazarus, que já conhecia os sussurros trocados na escuridão da Rocha – a desconfiança que os membros daquela reunião mantinham em relação aos novos irmãos. Ele agora era a prova viva dessa ideia falaciosa.
“Que ninguém mais se mantenha na defensiva, permitindo que os inimigos atuem entre nós. Ninguém hesitará em nossa caçada, indiferente aos segredos que agora se espalham. Atacaremos, caçaremos tendo rastros ou não, e lembraremos aos nossos inimigos que somos a Primeira. Acendam as chamas que ardem dentro de si, transformem-nas em fúria abrasadora, e levem a vingança sobre Magnus e suas legiões pela desonra que trouxeram ao nosso Capítulo”.
Lazarus agora retornava a Stygius, o mesmo teatro que o definira. Segurou o punho de sua espada – fora resgatado junto com ela, cujo gume ardia, livre da corrupção que infectara a todos naquele dia.
Ele a renomeara de Gume da Rivalidade, e com ela os Dark Angels teriam sua vingança.