O Despertar Psíquico: A defesa do Sabre
De Callum Davis. Original aqui.
Luzes fulguraram no horizonte quando o Atalat atingiu o solo. O acidente ocorreu tão distante que o Capitão Meznan não viu o antigo cruzador abandonar sua posição em órbita, mas viu a gigantesca nuvem em formato de cogumelo que escureceu o céu azul de Ceibhal, e usurpou-lhe a luz solar.
“Mais uma grande nave perdida”, pensou Meznan. A frota dos Obsidian Jaguars que defendia seu planeta natal sofrera sérios danos. As naves Ork, embora rudimentares, eram numerosas e brutais.
Dentro de minutos, fortes ventos sopraram sobre o Sabre – o imponente mosteiro-fortaleza dos Jaguars – e suas ameias inferiores, o primeiro nível de suas defesas. À sua volta, guerreiros preparavam-se para as ondas de choque, portando sua armadura cor de granito, que assim como suas armas, já ostentavam os danos de semanas de confronto ininterrupto.
“Os fantasmas da máquina jamais nos perdoarão pelo que os submetemos em nome da necessidade”, pensou. Não havia tempo para descanso, reparos ou reabastecimento. Os guerreiros foram recrutados de diversas companhias – aqueles que permaneceram em Ceibhal quando os orks atacaram. Centenas de Obsidian Jaguars combatiam por toda a galáxia; nenhuma mensagem astropática para eles recebeu resposta, no entanto.
Quando a força dos ventos amainaram, servitors e vassalos vieram dos portais que levavam ao interior do Sabre, trazendo munição para os Space Marines e para os guardas nas muralhas. A guerra trazia tributos muito mais pesados para aqueles homens, a julgar pelas olheiras profundas sob seus olhos injetados. Muitos apresentavam tremores, consequência de estimulantes em excesso, traços de insanidade, ou ambos. Meznan observou os imponentes uniformes dos vassalos reduzido a trapos, e suas botas de couro retalhadas, toscamente atadas aos pés enegrecidos. Os componentes mecânicos dos servitors rangiam pela falta de óleo, e faíscas escapavam por seus circuitos danificados.
“Não suportarão muito mais”, disse Uetz, observando aqueles humanos. O branco da armadura do Boticário desbotara, e o sangue seco cobria tanto a ceramite quanto os instrumentos cirúrgicos instalados em sua manopla esquerda.~
“Precisarão fazê-lo”, disse o Capelão Kualka. “O Sabre não cairá. Os xenos serão destruídos, mas precisaremos de cada porção de força e determinação”. Mais alto que seus companheiros, o Capelão mantinha a cabeça erguida e o olhar intenso de quem não aceitaria a derrota. Perdera o elmo combatendo um gigantesco chefe ork; na mesma luta, golpeara o monstro tão forte que sua crozius arcanum estilhaçara. Agora usava uma motoespada, recuperada de um irmão de armas caído.
“Calma, Capelão”, disse Meznan. “Resistimos, e assim permaneceremos. O sabre jamais cair-“
“WAAAGH!”
O uivo dos ventos dera lugar a uivos de outra natureza.
Gritos de guerra bestiais ecoaram, altos o bastante para fazer os vassalos hesitarem diante das ordens dos Jaguars, que demandavam munição.
Meznan observou além das Planícies de Karusal, até o início da Selva Serpentina, além daquelas. Os peleverdes atacavam novamente. Avançavam como o Rio Ponta de Flecha durante a estação das chuvas – uma maré verde cobrindo os milhares de veículos destruídos que se espalhavam pelo campo aberto.
Os orks entraram no alcance dos foguetes Whirlwind, instalados nas ameias superiores. Os tanques não dispararam, contudo; a munição era racionada e só poderia ser usada com a certeza de que cumpriria um papel determinante. O Rugido de Morkai, o venerável tanque Arcus também continuou silente. Reativar um veículo milenar já era um ato desesperado, e a possibilidade de perdê-lo era inconcebível. Tinha sido um presente dos Space Wolves quando os dois Capítulos lutaram lado a lado contra os Hereges Astartes em Bennghil VII.
“O que eu não daria por um grupo de Wolves lutando conosco hoje”, pensou Meznan. Jamais vira tanta selvageria, habilidade marcial ou fúria quanto nos filhos de Russ. A força combinada dos dois Capítulos certamente mudaria os rumos da batalha, se ali estivessem.
O capitão continuou observando o avanço das hordas. Milhares a cada investida, e suas baixas em nada reduzia o volume de suas tropas.
“Talvez caia”, pensou, e xingou a si mesmo em seguida, por tamanha negatividade.
“O Sabre jamais cairá”, dissera, para todos os combatentes à sua volta, e para fortalecer seu propósito. Como se o mosteiro ouvisse seus anseios, as baterias defensivas finalmente abriram fogo, bem como os tanques de artilharia. Explosões irromperam em meio às forças inimigas, centenas e centenas de peleverdes ardendo sob o fogo químico, seus membros dilacerados sendo lançados no espaço pelas ondas de choque. O barulho dos fogos e os gritos de êxtase de seus irmãos ante o massacre infernal de milhares de orks por pouco abafaram completamente o chamado do vox.
“Mestre do Sabre, a munição das armas defensivas caiu para menos de 23 por cento”, avisou Nelg, o Mestre da Forja. “Restam apenas 10 por cento de cargas incendiárias. Três em cada cinco bolter pesado ou canhão automático estão descarregadas ou inutilizáveis. O Rugido de Morkai fez seus últimos disparos; irei desativá-lo. Recomendo cessar fogo. Precisaremos destas armas contra outros assaltos”.
“Faça isso, irmão”, respondeu Meznan. “Vamos escorraçar os orks das ameias com bolter e espada, como já fizemos tantas vezes”.
“Aguente firme, irmão. Esta resistência será glorificada por eras”.
O vox desligou. Os orks chegavam ao alcance das armas dos Space Marines e dos soldados nas muralhas. Embora os disparos fossem contínuos, vários orks penetraram as defesas, sendo implacavelmente detidos pelos Obsidian Jaguars.
A cada minuto que se passava, mais inimigos conseguiam adentrar a fortaleza, e a torrente sufocava-lhes as chamas sob o peso dos números. Tão logo Meznan apontara sua arma bolter em direção aos orks, sentiu o chão tremer; o volume de peleverdes era tamanho que abalava o Sabre em seus alicerces.
Fazer pontaria tornou-se irrelevevante; guerreiro e vassalo atiravam incessantemente, com a serenidade aquele que a despeito das dificuldades enfrentadas, possuíam notável disciplina e companheirismo inabalável. Ninguém hesitaria por saber que nenhum outro faria tal coisa. As explosões das armas bolter eram entrecortadas com o rúido das rajadas de lasguns, e com os impactos de carregadores vazios e baterias descarregadas jogados no chão granito das muralhas.
O inimigo devolveu-lhes fogo. Salvas de foguetes toscamente disparados explodiam inutilmente sobre as muralhas maciças de rocha vulcânica. Outros atingiam as ameias, arrancando pedaços de alvenaria e lançando estilhaços entre os próprios orks. Os Obsidian Jaguars saíam ilesos sob suas armaduras, mas o mesmo não poderia se dizer de seus servos, gritando a perda de seus membros, ou engasgando com o sangue derramado por suas gargantas dilaceradas. Médicos percorriam o perímetro oferecendo socorro, e maqueiros se apressavam em evacuar os feridos. Mortos eram simplesmente jogados no pátio interno; não havia tempo para removê-los respeitosamente.
“Que seus espíritos nos perdoem”, refletiu Meznan. Lutaram bravamente e mereciam mais.
Orks com grandes jump packs amarrados às costas saltavam das hostes atacantes e pairavam sobre as muralhas deixando rastros flamejantes. O Capitão nem precisou tomar providências, haviam equipes designadas para limpar os céus. Enquanto atirava nas massas no solo, percebeu jump packs – ou as cabeças dos seus pilotos – explodindo sob o fogo dos bolters. Meznan viu um deles vir em sua direção, e calculou sua velocidade e trajetória. Não voltou a olhar para cima ou parar de atirar nos peleverdes que se aproximavam; apenas esvaziava sua arma, substituía o carregador e tornava a atirar.
Podia ver o vermelho dos olhos da besta, mas não se moveu ou mudou de posição. Quando a criatura estava prestes a alcançá-lo, rosnando de forma bestial, pronto para matar, seu tórax explodiu, espalhando entranhas por toda a armadura do oficial. Meznan não fazia ideia de quem atirara, apenas confiou que isso seria feito.
“Sou-lhe grato, irmão”.
Meznan permaneceu no meio da muralha sobre os portões do Sabre, destruído em um assalto precedente. Custara trinta de seus irmãos e quatro valiosos blindados para conter a brecha no mosteiro, e agora o Redentor Fogos de Ceibhal e o Cruzado Makanah bloqueavam a entrada. Quando o primeiro Land Raider abriu fogo, envolvendo massivas fileiras inimigas em promécio flamejante, Meznan sabia o quanto os orks estavam perto; alcançariam as muralhas em instantes.
“Atirem! Matem todos eles!”, rugia Kualka pelo vox. “Castiguem a escória xenos pela invasão deste planeta, nosso planeta e planeta de nossos pais e irmãos!”. O Capelão caminhou pelas muralhas, espada em punho, e sua presença inspirava irmãos e vassalos em igual medida. “Irmãos, o sangue do Primarca corre em nossas veias. O sangue do Imperador corre em nossas veias. Com tamanho poder em nosso interior, como não sobrepujar o inimigo? Mostrem-lhes o erro de seu estilo de vida! Mostrem-lhes que enfrentar os Obsidian Jaguars significa a morte! Tragam-lhes dor, humilhação e derrota!”
À direita de Meznan, uma grande e pesada escada foi presa à muralha. Ele percebeu que era feita de Palmeira-de-aço – precatorae maxima, em gótico arcaico – espécie bastante comum na superfície de Ceibhal, e como seu nome indicava, era conhecida pela resistência de sua madeira. Os orks não apenas estavam devastando o planeta natal dos Jaguars, como estavam utilizando-o contra os Space Marines. Isso o encheu de fúria.
“Nenhum ork deixará de ser punido por tal atrocidade”, disse a si mesmo. Mais um insulto ao seu Capítulo e planeta natal, não bastassem a morte e a destruição já provocadas.
O capitão avistou três vassalos correrem até a escada, baionetas armadas. Percebeu o quão cegas as lâminas estavam após tantos combates. Os soldados lutaram com garra; apesar do cansaço visível, seguiram a doutrina. Escadas eram gargalos criados pelo próprio inimigo em vias da necessidade, mas o mostro que se ergueu por ela era colossal – suas presas tinham quase o tamanho dos antebraços dos soldados, e sua lâmina era um grande pedaço de metal afiado. Os servos foram retalhados em segundos, espalhando sangue, entranhas e rostos expressando dor e pânico pelo local.
Sem hesitar, Meznam sacou e ativou sua espada, e a energia percorreu toda a lâmina negra de obsidiana. O Ork, cuja armadura amarela estava tingida de sangue imperial, rugiu e investiu contra ele.
“Seu sangue logo será derramado, escória!”, disse Meznan ao encontrá-lo. Defender o primeiro golpe do inimigo empregou suas duas mãos, e o impacto das lâminas estremeceu todo seu corpo. Respondeu rapidamente com inúmeros golpes, forçando as defesas da criatura, e conduzindo-a de volta à escada. Apesar da força da besta, faltava-lhe habilidade; diferente de Meznan, que passara anos de sua vida nas jaulas de treino. Usou o tamanho e lentidão do oponente conta ele mesmo, desviando de seus golpes, movendo-se rapidamente e enfurecendo o Ork, que avançou, ansioso em derramar sangue. O Space Marine aproveitou a abertura, estocando sua lâmina inteira no torso inimigo por três vezes.
Mais uma das bestas xenos subia pela escada. Meznan chutou-lhe o queixo, jogando-o sobre as hostes lá embaixo. Ao longo do muro, em ambas as direções, Space Marines e servos continham os brutos que se erguiam sobre as defesas. O sangue inimigo inundava as ameias. Era a hora.
“Cozam, Tyzok, Akalan, Yarat, atacar!”, ordenou. “Xilonen, Quedira, Xoco, libertem a fúria do Kuath!”
Enquanto o capitão retornava ao embate, retalhando os invasores e atirando contra as massas sob as muralhas, portas secretas se abriram, e esquadrões de Predadores e Repulsores entraram na disputa. Canhões automáticos, bolters pesados e canhões de repetição destroçaram os orks, pegos de surpresa. Os blindados avançaram em grande velocidade, esmagando aqueles lentos demais para sair do caminho. Esquadrões de Inceptors se lançaram sobre o campo de batalha, e seus bolters de assalto e incineradores de plasma obliterando as armaduras e veículos rudimentares do inimigo. A etapa final daquela contraofensiva devastadora eram as aeronaves que agora os sobrevoavam. Dezenas de naves impecáveis criavam uma barreira de fogo intransponível a cada passagem, castigando a terra coberta de orks com salvas de mísseis e rajadas de plasma.
A vantagem agora estava nas mãos dos Obsidian Jaguars. Fogos de Ceibhal e Makanah também avançaram, somando seu poder bélico ao furioso contra-ataque. Nenhum ork tornou a subir as escadas, e aqueles sobre os muros foram isolados e eliminados.
Meznan assistiu os orks remanescentes sendo rechaçados, e ordenou que seus combatentes recuassem. Sabia que suas forças eram incapazes de contra-atacar daquela forma novamente. O inimigo agora conhecia as entradas secretas, e também empregaria sua força aérea, mas por ora, os xenos foram derrotados, e com isso, mais tempo fora conquistado.
“Resistimos, meus irmãos!” gritou Meznan, preocupando-se em ser ouvido por todos enquanto erguia sua espada ensanguentada. Alguns servos comemoraram, mas a maioria mal se dignou a erguer o punho sobre o peito, ou fazer a marca da Aquilla.
“O Sabre jamais cairá!”, repetiu Kualka. Os exaustos combatentes ergueram suas armas, triunfantes, embora o fizessem com menos força e determinação que nas primeiras vitórias. Seu visor exibia análises estratégicas, cujo alcance era restrito àqueles de maior patente.
“Que o Imperador nos ajude”, disse. O cenário que se revelava contra eles era claro como a luz do dia.
“Eles não resistiriam”, concluiu. Não sem o retorno de seus irmãos, ou se os Wolves viessem de alguma forma.
Pensar em seus irmãos deu-lhe forças novamente.
“Vamos resistir até que o Capítulo retorne”, suspirou, embora não acreditasse totalmente naquilo.