O Despertar Psíquico: Libertação
De Dirk Wehner. Original aqui.
Maerica Threxx puxou a alavanca do Generatorum Interdictio, e uma luz vermelha tomou conta da forja sob a superfície de Ordex-Thaag. Fechou os olhos e fruiu o poder que por ela fluía. Embora não fosse nada além de uma reles tecnoserva, um poder verdadeiro estava sob seu alcance naquele momento.
Liberte-me, sussurrou uma voz.
“Repita, por favor, Madre Threxx”, pediu o capataz encapuzado, rompendo-lhe os devaneios.
Maerica sacudiu a cabeça e se recompôs, percebendo que já estava encarando o Generatorum Interdictio há algum tempo.
“Não disse nada, encarregado”, disse a Tecnomadre. Seus mecatentáculos inferiores se agitaram, nervosos, até que ela retomasse completamente o foco.
O feixe de sensores óticos do encarregado, organizado sob a forma de uma estrela de oito pontas, fez um pequeno ruído enquanto se reajustava. Após algum silêncio, ele meneou a cabeça. “Positivo. Um erro em meus sensores auditivos. Retorne ao trabalho, Madre Threxx”.
“Sim, encarregado”, respondeu Maerica, soltando o fôlego que nem notara ter prendido. Observou o generatorum novamente, uma gigantesca caldeira forjada em metal escuro. Era apinhada de medidores e telas piscantes, e selos de proteção negros se espalhavam por toda sua superfície. Uma grande escotilha atraiu sua atenção, como fizera tantas vezes antes. Havia algo ali, poderoso, mexendo com emoções há muito reprimidas. Uma luz vermelho-escura pulsava por trás da escotilha, dominando sua atenção e suprimindo cada suspiro, cada som, cada pensamento da sacerdotisa…
Liberte-me, a voz sussurrou.
“Erro. Madre Threxx, retorne ao trabalho, repito”. Maerica desviou o olhar, sobressaltada, quando seu superior surgiu em sua estação de trabalho. A despeito da voz sem emoções, as palavras pretendiam soar ameaçadoras. Ela não seria a primeira Mechanicum Sombria de Ordex-Thaag a se perder por sentir a areia sob seus pés descalços, calejados e doloridos, enquanto arrastava o corpo devastado adiant-
A sacerdotisa engoliu em seco, desviando o olhar da fornalha. “S-Sim, encarregado, afirmativo”, respondeu-lhe, tornando a olhar seu altar-forja, sobre o qual jazia um membro mecânico ainda incompleto.
O capataz inclinou-se em sua direção, rangendo seus sensores óticos. “O Generatorum Interdictio não é de sua conta, madre. Saiba seu lugar. Você não deve se preocupar com nada além de seus deveres”.
“Sim, encarregado”, respondeu prontamente. “Não sou nada. Voltarei ao serviço”.
Seu superior ergueu o corpo e saiu. Maerica fechou os olhos e tentou acalmar a pulsação. Há anos que não se sentia assim, tão agitada, tão… humana. Lutou contra o impulso em olhar novamente o Generatorum Interdictio e tentou concentrar-se no trabalho. Seus mecatentáculos saíram de seu manto negro para retomar seu trabalho delicado. Faíscas saltavam enquanto ela gravava runas em outro segmento do tentáculo metálico. Ela nem sabia o significado daquelas palavras profanas, sabia apenas que a dor, a dor insuportável que sentiu a olhar suas mãos. A areia fina do deserto, arrastada pelos ventos tempestuosos, arranhavam-lhe a pele. A carne viva, exposta ao miasma tóxico de Ordex-Thaag, estava infectada, derramando um pus escuro e espesso sob seus braços. Ela sentia o peso do generatorum em sua mente, e deu-se conta que encarava a máquina mais uma vez.
Liberte-me.
A garra do capataz fechou-se como um alicate hidráulico em seu ombro. Ela sentiu o toque metálico penetrar-lhe as vestes e espalhar dor por sua pele febril. “Atenção, Madre Threxx”, disse o encarregado. “Repito, o Generatorum Interdictio não é de sua conta. Desobediência posterior será punida. Retome o trabalho imediatamente”.
Maerica assentiu nervosamente com a cabeça. “Eu obedeço, encarregado”.
A garra girou seu corpo na direção do encarregado, forçando-lhe a encará-lo. As lentes sob seu capuz a encararam, insensíveis. Pareciam avaliá-la. Então ele a libertou e deu-lhe as costas.
A sacerdotisa observou seu superior caminhando, e seus olhos, cobertos de sujeira e insetos, quase cegos pelo trabalho extenuante naquela forja. “Trabalho na forja”, repetiu. “Foco”. Novamente seus mecatentáculos surgiram de sua forma grosseira, em movimentos desnecessários. Suas extremidades mecânicas traçavam linhas na areia, pingando óleo enquanto se emaranhavam em suas vísceras, que se espalhavam através do corte em seu ventre. Ela definitivamente não era nada. Nada além de uma pilha decrépita de partes mecânicas fundidas enquanto se erguia e caminhava em direção ao Generatorum Interdictio.
Liberte-me, disse a voz. Liberte-me. Liberte-me. Liberte-me liberte-me liberte-me LIBERTE-ME.
O encarregado entrou em seu caminho e segurou seus braços com suas garras mecânicas. Dois servo-membros se ergueram em suas costas e cravaram-se nos ombros da sacerdotisa, e pequenos mecatentáculos penetraram-lhe as vestes a fim de conter ainda mais seus movimentos. “Madre Threxx, você foi avisada”, disse-lhe. Os tentáculos a esmagavam.
“Sua desconstrução é iminente”, prosseguiu, erguendo-a do chão lentamente.
Liberte-me. Liberte-me. Liberte-me. Liberte-me liberte-me liberte-me LIBERTE-ME.
Sua cabeça girou em direção ao rosto do capataz. “Liberte-me”, ela rosnou.
Era sua voz, mas havia uma outra, indiscernível, dando-lhe as forças que sempre desejara. Se o encarregado fosse capaz de expressar surpresa, ele o faria naquele momento, quando Maerica libertou-se de sua contenção com uma força sobre-humana.
“Liberte-me”, gritou a voz enquanto Maerica saltava o encarregado caído, correndo em direção da luz pulsante no Generatorum Interditio.
“Liberte-me”, a coisa repetia enquanto ela se esquivava dos servitors que tentavam interceptá-la. “Liberte-me”, gritou quando ela segurou a alavanca. O tempo pareceu pausar por um segundo, quando memórias surgiram subitamente na mente dela. Lembrou da alavanca metálica em suas mãos, a luz carmesim, a coisa além da escotilha, a luz pulsando através de sua alma, tornando-a humana, tornando-a mais…
“Liberte-me”, gritou novamente, e ela agora sabia com o que estava lidando. E quando viu-se puxando a alavanca, lenta e inevitavelmente, Maerica Threxx gritara também.
“Liberte-me”, rugia a criatura de mandíbulas distorcidas, expelindo jatos de saliva ensanguentada enquanto se arrastava pelo deserto de Ordex-Thaag, atormentada por uma memória que se repetia infinitamente. “Liberte-me”, gritava ao céu sombrio, iluminado pelo verde pálido das tempestades da distorção. A criatura rastejou pela areia tóxica com os joelhos esfolados e mãos purulentas. Sobre suas costas, soldada à sua própria carne, uma grande caldeira. A grossa escotilha emitia um brilho escarlate, que brilhava mais conforme sua hospedeira definhava. “Liberte-me”, uivava o monstro. Não havia mais lágrimas em seus olhos cobertos de imundície.
“A união do Espécime 209-Teta foi bem-sucedida, mestre”, sussurrou o pequeno Idolator, que não ousava olhar para seu senhor. “Os relatórios indicam que a criatura escapou para o deserto além da torre após destruir a forja. A contagem de mortos é aceitável. O espécime se alimenta do hospedeiro, fortalecendo-se a cada dia em que permaneceu contido”.
“Excelente”, respondeu uma voz baixa e confiante, vindo do trono vagamente visível no salão escuro. Uma autoridade inquestionável tornava a voz claramente perceptível em meio ao ruído das máquinas e o movimento das correntes penduradas no teto. “Que infortúnio que tenha escapado. Acho que os malditos sacerdotes fazem isto para me irritar”.
“Sim, mestre”, concordou rapidamente o servo. “Devo providenciar a captura da besta?”
“Não”, respondeu após um breve silêncio. “Deixe-a sofrer um pouco mais. Deve ficar mais forte antes de conectá-la à máquina. Deixe-a seguir com o hospedeiro por mais alguns dias antes de pegá-la”.
“Sim, mestre. Vigiaremos a criatura até que o senhor julgue estar… madura”. O Idolator curvou-se e desapareceu na escuridão do cavernoso salão.
O Magnata Waersk então inclinou-se para a frente e apoiou sua cabeça em seu punho enquanto observava a saída do subordinado. O Nobre Caído mal podia esconder a ansiedade. Não demoraria até seus planos fossem efetivados. Até que aquele planeta devastado cumprisse seu propósito e ajudasse a Casa Lucaris a conquistar seu devido lugar na galáxia.