O Despertar Psíquico: Para cada fim, um começo
Original aqui.
O Illuminor Szeras agachou-se no centro da câmara repleta de maquinário arcaico. Voltou o olhar para as informações que fluíam por entre os orbes esmeraldinos logo à frente. Apresentavam os diagnósticos dos últimos espécimes que fizera, obtidas através de dissecação molecular e análise transpectral. Uma porção de seu cerebelo andróide absorvia a informação em uma velocidade que ele sabia ser infinitamente maior do que aquelas com que seus objetos de estudo o faziam. Aquilo era trivial para Szeras; era o que fazia há milênios.
Não é bem assim, repreendeu a si mesmo.
De fato, o Illuminor tinha um grande intelecto. Sua consciência expandida era capaz de resolver problemas científicos complexos e paradoxos filosóficos que obcecavam culturas inteiras. Não apenas era capaz disso, como o fazia enquanto agia, conversava, realizava experimentos ou mesmo triunfava no campo de batalha, sem esforço algum.
A um único passo da divindade.
E graças aos benefícios de seu novo mestre, bem como o brilhantismo científico de Szeras, seu raciocínio estava ainda mais afiado. O Illuminor tensionou seus membros recém aprimorados e alongou seu novo corpo gigantesco. Sem os raríssimos materiais fornecidos por seu patrono, jamais alcançaria aquele nível de auto-aprimoramento de forma tão rápida. O risco de comprometer seu corpo físico seria aceitável, mas o mesmo não poderia ser dito quanto aos seu engrama de personalidade. Szeras reconhecia-se como a maior mente de sua espécie. Arriscar desnecessariamente o maior recurso intelectual da espécie Necron seria algo imperdoável.
Agora sou ainda mais grandioso, pensou, enquanto os dados fluíam por sua nova arquitetura mental. Com tais aprimoramentos, seria ainda melhor em prosseguir com a pesquisa.
Finalmente a compreensão dos segredos mais profundos da existência estaria ao seu alcance! Mas isso teria de esperar, no entanto. Fizera um pacto com um novo senhor, e precisava antes cumprir sua parte. Como os objetivos de seu aliado não eram tão distintos dos seus, ajudá-lo inevitavelmente auxiliaria em seu próprio avanço.
Mestre.
Aliado.
Szeras sabia que haviam outros termos para nomear aquele com quem fizera o acordo. A arrogância estava fortemente arraigada na complexa arquitetura de seu engrama de personalidade, de forma que era incapaz de ir além. A humildade, para Szeras, era um conceito desconhecido, assim como comer ou dormir – era incapaz de realizá-las, tampouco compreendia-lhes a utilidade. Mesmo assim, ele não queria atrasar os planos de seu benfeitor, e muito menos correr o risco de desapontá-lo.
Tenho uma reputação a zelar, disse a si mesmo, como se fosse a única razão para que honrasse o pacto.
Deixando os últimos cálculos biomecânicos para a porção terciária do cérebro, o Illuminor moveu os membros. O corpo insetoide ergueu sua mente brilhante um andar acima por meio de um campo gravitacional. Havia uma reentrância esférica em uma das paredes, que apesar das limitações espaciais, contava com reguladores prontos para organizar as diversas telas e monitores multidimensionais daquele observatório planar.
Afastou vários construtos Canoptek com um comando mental. Posicionou-se ante a maior das aberturas dimensionais e concentrou-se naquele fluxo de informações.
Os dados se acumulavam gradativamente na percepção de Szeras, expandindo sua consciência e permitindo-lhe uma visão muito mais ampla, processo que destruiria até a mente de espécies biologicamente avançadas. Mesmo o mais talentoso Cryptek teria sérias dificuldades em lidar com a riqueza de informações contida na visão de Szeras.
Afinal, ele não era um simplório Cryptek.
Essa ideia!
O pensamento surgiu em um pequeno segmento da consciência do Illuminor, e nem ele possuía tamanho poder computacional para lidar com aquela informação – pelo menos enquanto examinava a abertura dimensional.
Um segmento considerável da galáxia espalhava-se pela poderosa estrutura mental de Szeras; ele não apenas considerava o plano material, habitado por pessoas, mas também o Infinito Energético que o subjazia, ao qual todos os organismos sencientes estão enraizados. Szeras até observava os fios de seda da Teia, tão esfarrapados quanto os Antigos que a criaram. Não considerava tudo em detalhe, é verdade; o Illuminor não era um deus, afinal! No entanto, lidava com impressões, nuances, espectros sutis e toda sorte de dados que revelavam informações valiosas. O Illuminor acreditava que qualquer outra entidade inteligente da galáxia destruiria planetas para obter tamanho conhecimento.
Ele observava a torrente empírea que fluía por aquela porção da galáxia. Elaborava padrões tentando continuamente prever quais tempestades etéreas se agravariam, e quais poderiam se dissipar. Szeras analisava cada simulação em busca de canais prestes a se abrir, e pelas rotas que poderiam se fechar súbita e violentamente.
Tudo aquilo eram meras suposições. A inconstância do Infinito Energético era um anátema para as análises frias das máquinas necron. Para cada probabilidade havia uma contra-conclusão, um contra-modelo sobrepondo as previsões mais triviais com modulações fractais. Isto é, toda aquela informação, apesar da utilidade, era absolutamente instável, e portanto, sem credibilidade para Szeras.
As únicas constantes era o crescimento contínuo do fluxo empíreo, e a radiação etérea se espalhando cada vez mais no plano material. Uma série de sinais luminosos indicavam para Szeras que as mutações psíquicas eram ainda mais intensas em bioespécimes inferiores, sendo a Humanidade a que mais se destacava.
Eles caminham de um passado desconhecido para o pó, pensou Szeras. Não reconhecer a própria derrota, no entanto, é uma ameaça a todos nós.
Assim como previra Orikan.
O Illuminor era evoluído demais para reagir com inveja ou amargura. Mas pensar no Adivinho foi o bastante para perturbar-lhe o equilíbrio sináptico. As informações projetadas em sua mente se despedaçaram.
Szeras deu um passo para trás, perturbado; não sabia se pela lembrança de Orikan, ou pelo atual estado da galáxia. Não importava; descobrira o que precisava em sua última olhada no observatório planar. Não havia como escapar aos planos de seu mestre, tampouco haveria imprevistos além daqueles listados pelos modelos do Illuminor.
Era hora de lidar com a matriz contra-empírea.
Em seguida, desceu através das câmaras e translocadores de partículas, até um vivissector, no qual espécimes agonizavam ao toque de disruptores moleculares. Gemidos lúgubres enquanto suas peles eram esfoladas, membros e sistemas nervosos cuidadosamente separados pelo chirurgea Canoptek. Bem ali, uma cabeça mantinha-se viva, separada do corpo; uma estrutura esquelética estimulava-lhe os nervos, provocando níveis inimagináveis de agonia. A mente particionada de Szeras facilmente percebeu as possibilidades daqueles experimentos.
Espécime ork… excelente adaptação da musculatura… tão antiga, e tão familiar…
Espécime humana… novamente, uma inexplicável resistência cerebral às medidas contra-mutativas… intrigante…
Espécime Hrud… manifesta uma irritante entropia temporal que destrói carapaças… problemático…
Por fim, Szeras atravessou uma passagem dimensional, surgindo no observatório estelar. Parou por um momento, permitindo-se aproveitar a grandeza de sua obra. O observatório era esférico, tão grande quanto uma nave-tumba comportaria; sua porção interna repleta de maquinário complexo – alguns projetados pelo Illuminor – emitindo sinais energéticos e glifos esmeraldinos. Flutuando por entre elas, Crypteks curvados e constructos canoptek, formando juntos o que Szeras acreditava ser o chão, as paredes e o teto daquele vasto ambiente. No centro da câmara, mantendo perfeito alinhamento planar, a despeito da posição do observador, um magnífico mapa da matriz contra-empírea.
E no centro de tudo, uma esfera incandescente, cujo brilho era contido por um casulo de metal vivo; à sua volta, fios energéticos agitavam-se pelas múltiplas dimensões como tentáculos, cada um envolvendo pequenas esferas luminosas, e as menores que as orbitavam. Os fios cresciam e atrofiavam como seres vivos, formando uma teia que interligava – de maneira não euclidiana – estas inúmeras micro esferas.
Um mapa formado por partículas cuja luminosidade refletia seus equivalentes no espaço físico. Uma versão miniaturizada da matriz contra-empírea de seu patrono, capaz de mostrar em tempo real todas as transformações ocorridas em uma determinada região do espaço.
Quando a matriz se expandia em algumas daquelas regiões, o mapa fazia o mesmo a fim de exibi-la; conforme planetas e sistemas eram afetadas pela aura de influência da matriz, as informações obtidas logo eram processadas, sendo exibidas continuamente pelas inúmeras telas do observatório.
Szeras interrompeu seu momento contemplativo; um pequeno grupo de seres se aproximava, observando-lhe com curiosidade. Velhos Crypteks, como Amnothek, o Dissolutor, envolto em véus de plasma; Kothotar dos Infinitos Olhos, carregado por uma nuvem de Escaravelhos Canoptek; Hasmathep, o Velado, cujos tentáculos mercuriais se agitavam em contínuo fluxo; e finalmente, para seu desagrado, Athmandyus, o Portal Infinito, cujo velho cajado ecoava no chão a cada passo. Seu rosto metálico irradiava poder bruto, e seus três olhos fulguravam como ametistas.
“O Illuminor nos honra com esta rara visita”, disse Athmandyus, cuja frequência de comunicação apresentava um desprezo mal disfarçado.
Szeras, superior àqueles tecno-taumaturgos, não cairia na provocação. O fato de Athmandyus costumar se envolver em trocas calorosas de insultos era um dos motivos pelo qual Szeras detestava-o. Ignorando o comentário, dirigiu a palavra aos Crypteks do conclave.
“Esclareçam o propósito da abordagem”.
Hasmathep o Velado enviou-lhe um pulso informacional.
Confirmação visual de sua presença – Descobrir os desejo do mestre – Informação adicional – Sinal de respeito.
Szeras duvidava que Athmandyus, o Portal Infinito mostrava respeito provocando-lhe daquele jeito. Suas suspeitas se confirmaram na próxima comunicação do Cryptek.
“Tua força cresce em ritmo excessivo, Illuminor. A dissonância empírea provocada pela cadeia de eventos no Infinito Energético está diminuindo. A rápida expansão de nossa matriz contra-empírea provoca grandes níveis de disrupção nas espécies inferiores. Estas mudanças deveriam ser graduais e imperceptíveis para esses vermes. Mas ao invés disso, você acelerou as coisas, chamando a atenção deles para nossa causa.”
Sempre cuidadoso, sempre conservador, pensou Szeras, encarando-lhe o crânio bruto e perguntando-se se aquela mente revelaria algo de útil após uma vivissecção. Duvidava muito. E mais uma vez, ignorou as palavras de Athmandyus.
“Mostre os relatórios secundários”, ordenou Szeras. Ele poderia obter a informação com um único pensamento, todos sabiam; mesmo assim, Kokhotar apressou-se em acessar um terminal próximo e acionar uma série de glifos que trariam as informações que o Illuminor exigira.
O mapa iluminou-se conforme as camadas de informações adicionais surgiram diante deles. O Illuminor identificou os símbolos das raças inferiores locais, diferenciadas por espécie e sub-categorias. Aqueles que se situavam além dos limites intersectosférico da matriz pulsavam intensamente; os demais, abaixo dos índices, apresentavam uma aura pálida. Os símbolos que representavam espécies sencientes tinham tons acinzentados, como pedras esculpidas em meio às linhas entrelaçadas do esquema.
Outros glifos, vários deles, espalhavam-se pelo mapa, sobretudo no vazio e na órbita de planetas importantes. Traziam símbolos heráldicos e as cores das inúmeras dinastias necron; algumas mais modestas, outras poderosíssimas, mas todas elas, Szeras bem sabia, submetidas ao comando de seu mestre.
Todos servindo a uma única vontade.
As bordas do mapa estavam repletas de teias informacionais e atualizações analíticas, derramando torrentes de dados esotéricos como cascatas cristalinas.
A atividade empírea caiu conforme o previsto, pensou Szeras, estudando os dados, satisfeito. O dreno energético é massivo, mas nossas capacidades são infinitamente maiores. A criação dos novos portais também segue sem atraso…
“Estou satisfeito. O mestre ficará satisfeito. Partirei agora, e farei o relatório para-“
A fala foi interrompida pelo brilho âmbar de uma espiral na borda do mapa. Imediatamente um alerta soou em sua cabeça, como uma campainha.
Não exerceu autoridade desta vez; rapidamente manipulou o mapa que construíra, separando setores e aproximando o quadrante no qual surgiram os símbolos de alerta.
Algo novo, pensou.
Súbito, uma nova série de símbolos aparecia em meio à confusão de indicadores de vida e intersecções planetárias. O olho de Szeras percorria rapidamente a projeção, identificando as novas assinaturas empíreas que precediam outras novas, em sequência.
“Humanos, grande potencial militar”, disse em voz alta.
O cajado de Athmandyus atingiu com força o piso da câmara de observação.
“E assim revelo-me um profeta, pois meu olhar atravessa o véu de toda e qualquer causalidade”, disse o Portal Infinito, repetindo as famosas palavras de Orikan, o Adivinho. Ele sabia que irritaria Szeras. “Quisera minhas palavras não se mostrassem corretas tão rápida e inevitavelmente. Como achas que o Mestre reagirá a tamanho infortúnio?”
Szeras se dignou a voltar o olhar para o velho Tecnomandrita e estabelecer uma comunhão datasférica; Athmandyus enrijeceu o corpo, os ombros curvaram-se. As chamas dos olhos vacilaram e evanesceram, e o Illuminor permitiu que o subordinado percebesse sua reação: compartilhou com ele sua excitação, a ansiedade, o sentimento de triunfo, e a sensação atingiu-lhe em cheio, visto que o Tecnomandrita jamais esperava aquilo.
“Prossigam conforme o planejado”, disse Szeras. “Saibam que isto é exatamente o que eu e o mestre esperávamos. A próxima etapa de testes na matriz contra-empírea começará agora”.
E com isso, voltou as costas aos subordinados e dirigiu-se ao portal de translocação. Tinha muito a fazer antes que os invasores imperiais atravessassem os limites intersectosféricos, e quando eles o fizessem, queria estar em um lugar privilegiado para testemunhar os efeitos da matriz em sua plenitude.
Isso é apenas o começo, pensou.